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Monocromático

Categorias: Bandas e Músicos (Halsey; Fifth Harmony) Personagens: Halsey (Ashley Nicolette Frangipane) e Lauren Jauregui Classificação Indicativa: +16 Gênero: Fantasia, Drama (Tragédia), Romance, Angst Aviso: Homossexualidade, Tragédia, Morte, Demônios



O inferno tomou conta da terra. Era só isso que eu sabia. Alguém me dissera alguma vez que num certo dia as sombras tomaram conta de tudo, que demônios chegaram sem qualquer compaixão e transformou uma realidade, que antes era repleta de luz, em um purgatório. Não que eu tenha dado ouvidos para isso, sinceramente, eu não dava a mínima. Existiam livros em algum lugar contando histórias de como o mundo se tornou o que é hoje, existem lendas e especulações, que as luzes desistiram e simplesmente entregaram-nos nas mãos dos demônios. Existem canções sobre isso, existem fanáticos religiosos que creem de uma forma doente em nossas divindades - as sombras - e tentam de qualquer jeito fazer com que essa história se propague. Mas novamente, eu não dou a mínima. Eu vejo o mundo desse jeito desde que me lembro, desde que minha memória permite. Mesmo não podendo confiar cegamente nela. O mundo é o que ele é. Não importa o que aconteceu para se tornar assim, quase não importa ele ser assim. O tempo é sempre tempestuoso e cruel, assim como as pessoas. Tudo é monocromático, não existem cores, e mesmo existindo pessoas, sábios, que defendem a existência destas, como defender algo que não vemos? Eles dizem que nós só enxergamos tons sombrios, que nossa visão não tem a capacidade de enxergar cores, mas que elas continuam lá. Não é um argumento com muita credibilidade, não? Somos filhos das trevas, é assim, e assim que deve ser. Somos humanos, eu acho, livres. E pessoas que querem tomar nossa liberdade, merecem nada menos que a morte. Merecem ter suas memórias apagadas, merecem se tornar renascidos. Nossa liberdade dá direitos a - o que os sábios dizem ser - tabus passados, a atos que antes das sombras se fazer presentes, eram condenados. Nós giramos em torno da morte, é ela que move nosso mundo. Eu não consigo imaginar uma realidade em que fosse o oposto disto. Quando mortos, nos tornamos renascidos, é como se nossa sobrevivência fosse reiniciada. Renascidos voltam com a mesma aparência, mas não necessariamente sendo a mesma pessoa. Suas memórias são zeradas, tendo apenas algumas sensações, que algumas pessoas chamam de déjà vu, de vidas passadas. São enojados por suas famílias e conhecidos, que muita das vezes os taxam como fracos ou desmerecedores das sombras e simplesmente os esquecem. E quando assassinos, toda vez que é tirado a alma de alguém, um pedaço de sua própria alma se esvai. A loucura se faz presente, e pouco a pouco, um humano condenado vai se tornando um demônio. Quando se é morto, sua alma se dissolve, mas volta para o seu corpo. Quando se é a morte, a sua alma permanece, mas acaba por se desfazer aos poucos, de forma permanente. Algumas pessoas, tão tolas, almejam isso, pois quando sua alma - e não seu corpo - morre, você não se torna nada mais, nada menos que um demônio. E os demônios são nossos deuses. É bem fácil reconhecer um grupo de assassinos sem-almas por aí, seus olhos são sempre assustadores e inconsistentes. Possuem uma áurea tão negra quanto as vestes que usam. São repletos de insanidade e repelem qualquer tipo de sentimento humano, e têm o principal, são lindos. Possuem uma beleza perfeita para atrair qualquer presa fácil, possuem a beleza de um demônio. O mais interessante sobre os sem-alma é que uma vez eles já foram renascidos, as cicatrizes de suas mortes são plenamente visíveis, não possuem qualquer memória de suas vidas antes de morrerem, e após, acabaram se perdendo e virando a própria morte. E existem também assassinos como eu, vejamos, eu não tenho interesse nenhum em me tornar um demônio. Mesmo! Demônios não alcançam a morte eterna nunca, e talvez essa seja a coisa que eu mais almejo. Eu não sou uma renascida, não possuo qualquer cicatriz que revele minha morte e apesar de não ter ninguém, possuo memórias da minha infância. Memórias nesse mundo são coisas não muito confiáveis, mas eu tenho minha convicção. Existem algumas pessoas que não querem perder nem um terço da sua alma, que não possuem coragem ou que simplesmente não querem, e então procuram alguém para fazer o trabalho por elas.É aí que eu entro. Desde que me entendo como ser pensante, não tive muitas coisas na vida que não fossem caos e crueldade. Desde criança sobrevivo a espreita de becos imundo, sobrevivendo com qualquer pedaço de pão mofado que me era dado por alguém com uma alma não tão podre. Mas sempre tive certa malandragem, do contrário me tornaria nada mais que carniça para grupos de sem-alma, até que de tanto fugir destes, minha destreza fora aprimorada e se tornara uma habilidade sem igual para mim, com ela veio a agilidade e a habilidade de empunhar uma adaga. Lembro-me bem da primeira vez que fui obrigada a usar uma lâmina, depois de dias faminta por ser uma jovem órfã sem muitas opções, acabei por começar minha vida de crimes e atalhos, com minha experiência em escaladas nos prédios arruinados da cidade central e em me esconder como uma sombra, me aventurei em roubar pela primeira vez, a vítima fora um comerciante de carnes de caça, era apenas um coelho, ou um esquilo, não me lembro bem. Mas não dei muita sorte para uma primeira vez e acabei sendo encurralado por comerciantes fartos de “crianças ladras nojentas”, consegui escapar o máximo que pude, mas acabei sem saída, de cara com a minha “vítima”. O homem possuía um facão, e eu sabia que estava prestes a degolar meu pescoço se eu não fizesse nada rápido. Num surto de adrenalina, e não querendo recomeçar minha vida infernal, o facão que outrora pertencia ao homem, estava de uma forma grotesca enfiado no tronco do mesmo. Foi ali também que eu senti as consequências de matar alguém, eu senti uma dor aguda e quase que desesperadora por meu corpo inteiro, eu não conseguia o mexer, não importa o que tentasse, eu permaneci caído sobre o sangue da minha vítima, chorando e torcendo para que ninguém encontrassem-nos. Vozes na minha cabeça se fizeram presentes, gritando para mim o quão deplorável e cruel eu era, era como uma tortura incessável. Mas não importava, eu ainda preferia matar dezenas de outros homens á ser morta. Tais vozes, desde aquele dia, fincaram em minha mente como inquilinas indesejáveis. Com o passar dos anos e das experiências, se tornaram parte de mim, afinal, aquele pode ter sido o primeiro corpo frio a cair por minha conta, mas mesmo naquela época eu sabia que não seria o último, claro, o medo de me tornar algo que não queria ser, existia em cada partícula que formava a mim, mas decidi brincar com a sorte, afinal, não existe uma quantidade pré-determinada de assassinatos para se tornar um ser da noite, um demônio. Já ouvi a história de uma mulher que ao proteger seu filho, fora consumida pela loucura e tornou-se um demônio, na infeliz primeira vez que matou alguém, e também já ouvi histórias que sem-almas mataram mais de cem pessoas e permanecem em seus corpos humanos. Passei a aceitar trabalhos para minha sobrevivência, trabalhos sujos, em troca de alguns benefícios e vantagens, afinal assim era a vida nesse mundo, baseada em trocas. Aos dezesseis anos, meu pseudônimo era conhecido em alguns pontos dos becos do mercado negro de Gris, como uma mercenária promissora. As coisas não eram tão fáceis, vivi pesadelos e fiz coisas que nunca me imaginaria fazendo, por muitas vezes, ponderei até mesmo vender meu corpo, como algumas vezes foi aconselhada a fazer por meus contratantes. Nessa época, me vi cega por privilégios que antes nunca nem imaginaria em ter. Foi quando minhas mãos viram novamente lâminas. E foi quando, após uma série de assassinatos, a loucura e a insanidade se encontraram em mim. O que antes eu sentia o mais puro asco, se tornara algo até mesmo que familiar pra mim. O medo de me tornar um ser noturno, não mais me rondava. O que me rondava agora, era a luxúria, a avareza e acima de tudo, a soberba. Em um infeliz dia, fui requisitada para o extermínio de um grupo pequeno de sem-almas que estavam deixando um rastro de sangue por todo canto que passaram, lembro-me de suas risadas insanas e de suas palavras frias quando estavam prestes a tirar a força, de ti, sua alma. Lembro do olhar vazio de todos eles quando, ao invés de tirar mais uma vida, acabaram por ter suas vidas arrancadas de si. Você estava tremendo de medo, coberta por sangue que não era seu, e eu não pude deixar de ser tomada por risos sarcásticos quando você me implorou sua vida. Não era meu plano, sua morte. Não me traria quaisquer benefícios ou vantagens. E você percebeu isso. Em um ímpeto, meus olhos analisaram todas suas feições e semblantes, e reparei uma cicatriz nem um pouco discreta em seu pescoço, entregando que você era uma renascida. Mas isso não foi um empecilho para que eu pudesse ver, por baixo da camada de sangue que lhe cobria, um rosto que parecia existir com a finalidade egoísta de agraciar meus olhos.

— Você vai me matar? – Você me surpreendeu dizendo, com sua voz que eu não esperava nem um pouco ser tão rasgada, e eu não soube ao certo como reagir, então só acenei de forma negativa.

Naquele dia você pareceu aliviada ao me encontrar, e eu não pude me imaginar mais condenada. Por algum motivo, eu me deixei ser enlaçada por você, seus cabelos tão negros quanto minha visão monocromática podia ver se tornou a primeira imagem que eu pensava quando vinha na minha cabeça a causa da minha loucura. Você me seguiu, mesmo sem ser convidada, você permaneceu, sem medo das minhas adagas. Eu não consigo entender porque eu deixei você entrar em minha casa, eu não consigo entender até hoje de onde surgiu esse sentimento de piedade. No começo você era extremamente quieta, não que eu também não fosse. Existia uma relação extremamente receosa e nem eu, nem você, sabíamos como a desenrolar, eu tinha em meu âmago a sensação de que você tinha acabado de perder suas memórias, acabado de perder sua vida, então talvez você nem soubesse direito quem você mesmo era. Foi tudo extremamente lento, nossa primeira conversa foi após três semanas em que você chegou em minha morada, e para, pelo menos a minha, surpresa, tudo fluiu de forma assustadora, alguns minutos de conversa e antes o que era um ambiente lotado de tensão, virara um lugar com risadas e brincadeiras, minhas suspeitas estavam certas, e você não possuía memória alguma. Você finalmente soube meu nome, e é assustador pensar que você foi a primeira pessoa a me chamar de Ashley e não de, como costumeiro, Halsey. A partir daí, conversas diárias foram trocadas, e acho que você se esqueceu da assassina com quem bateu de cara em seu primeiro dia em sua nova vida, ao invés disso, você me tratava como uma heroína, você não cansava de dizer o quanto devia sua vida a mim, mas Lauren, você não tinha a noção de que a vida nesse mundo não é algo com tanto valor. Mas inesperadamente, a sua tinha, o brilho em seus olhos eram mais valiosos do que qualquer privilégio que posso ter. Eu acabei me pegando sentindo coisas que nunca achei que sentiria, coisas que nem ao menos achei que fossem reais, acabei, de primeira instância, pondo um valor em ti sem igual, acabei achando ternura em você, acabei achando gracioso poder simplesmente ter o lapso de uma visão tua. E Lauren, você parecia uma criança, uma criança tão inocente, uma criança que nunca nem viu o mundo em que vivemos. Se cores existissem, eu diria que você era repleta delas. Tua voz rouca nunca foi associada pela minha mente com tua personalidade tão singela. Eu me vi afeiçoada por você, e isso me apavorou, porque acima de tudo, eu já tinha visto todos os horrores do inferno em que vivemos. E o inferno chegou para mim, quando por motivo algum você me abraçou, você me botou entre seus braços. E eu senti seu coração, e eu senti sua pele gélida tão aconchegante. Eu me vi perdidamente apaixonada por você. Mas você não conhecia a mim, você não conhecia o mundo. Você queria o conhecer, você tinha algum tipo de curiosidade tão inocente e tão esperançosa, e eu não queria acabar com isso. Eu não queria que você vivesse no mesmo mundo que eu. Eu não queria que você visse a crueldade, eu não queria que você visse as sombras. Eu não queria que você visse a mim. Em um descuido, você viu tudo isso de uma só vez. Você me viu, arrancando de alguém, a alma. Você não entendeu o porquê, você não quis enxergar o mundo como ele era, eu lembro até hoje você caindo de joelhos em um completo desespero, você não conseguia respirar, você não conseguia nem proclamar algum murmúrio. Neste dia eu vi em seus olhos a última coisa que eu queria ver, eu vi você tendo horror a mim, eu vi você com medo, e vi você se encolhendo no intuito de não deixar, nem por um segundo, eu encostar em você. “Por quê? Por quê você fez isso?” – foram as primeiras orações que você conseguira formular quando conseguiu algum lapso de consciência, e quando eu lhe expliquei tudo que eu conseguia lembrar, do mundo, de mim, você, o ser que eu possuía tanta porcaria de afeto, só conseguiu demonstrar toda a frieza e asco que sentia de mim, que sentia da realidade em que eu vivia. Eu me senti em pedaços, as vozes dentro de mim, mais do que nunca, me lembravam do fiasco que eu era, me lembravam o quão sem alma eu era. Eu já deveria esperar que você não entendesse, você era pura demais para esse mundo. Você era angelical demais para o inferno presente em nós. E eu, eu era mais cruel que os próprios demônios. Eu sempre vivi em meio ao caos, em meio a dor, mas nunca nenhuma dor sentida por mim foi tão forte quanto a que eu senti quando você quis fugir de mim, quando você viu em mim, um monstro. Você não pertencia a esse mundo, você não pertencia a mim. Mas se você não pertencia a mim, você não pertenceria a mais ninguém. As vozes em minha cabeça começaram a gritar comigo, a loucura dentro de mim chegou em seu ápice. Além de todos meus pecados capitais, a ira também se fez presente, eu não conseguia pensar. Eu não conseguia ser racional. Eu não tinha controle algum de meus atos. Seus olhos que antes eram de um brilho tão celestial, se transformaram em olhos que na minha cabeça só me repudiavam, olhos que espelhavam meu inferno. Você me deu a vida e fez questão de a tirar com seu rosto tão frio, com seu semblante tão assustado direcionado a mim. E eu me vinguei por isso. Eu não conseguia enxergar nada com clareza. Eu não conseguia ouvir nada com clareza. E minha insanidade me controlava. Eu enfiei minha adaga em seu coração. Eu matei meu demônio. Eu matei minha ruína. Eu me arruinei. Seu corpo já gélido, se tornara mais azul. O grito esganiçado que saiu da sua boca não teve o mesmo som que a sua voz tão sagrada. E as vozes dentro de mim gritaram ao mesmo tempo. Lágrimas escorreram de mim, em combinação com as suas. A pior dor que já senti em minha sobrevivência tomou conta de mim, e como na vez que matei o comerciante de carnes, eu não mexia mais meu corpo. Soluços saiam por entre meus lábios, soluções impiedosos, soluços dolorosos. Um segundo grito ecoou por entre meus ouvidos, agora ele vinha de mim, um grito tão alto que passou por minha garganta como se fossem minhas lâminas. Minha visão foi tomada por o escuro mais cruel que eu já pude ver. Eu senti medo, eu senti o desespero passando juntamente com meu sangue por todo meu corpo, passando por entre minhas veias. Eu não conseguia pensar em nada, eu só conseguia focar na minha tortura particular. Uma tortura que parecia eterna. Até que tudo acabou, bruscamente, como se nunca tivesse acontecido. Até que eu acabei, como se nunca tivesse existido. Até que a única coisa que eu sempre temi, aconteceu. Até que meus demônios me consumiram.



Lorena Oliveira

Primeira campeã do Fanfictions Awards, na categoria Drabble.

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