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Lugar de fala e silenciamento: quem pode falar?



Oi, amores! Chegamos ao último dia da I Semana da Consciência Negra Brisa Literária e pra encerrar com chave de ouro temos postagens incríveis pra hoje. Nosso convidado, Viníciux da Silva que é aluno do IFRJ e pesquisador em Estética e Filosofia da Arte Africana, no Laboratório de Licenciatura e Pesquisa sobre o Ensino de Filosofia (LLPEFIL) da UERJ, sob orientação de Naiara Paula, trouxe um texto maravilhoso sobre silenciamento e lugar de fala. Não deixem de ler!


"Eu nunca fui tímida, eu fui silenciada"  — Monique Evelle O que faz com que não conheçamos outras narrativas, a não ser as narrativas pautadas em experiências ocidentais/eurocêntricas? O que faz com que nós, pessoas negras, não nos sintamos confortáveis para falar sobre determinados assuntos em certas ocasiões e/ou com certas pessoas? O que faz com que cânones da literatura brasileira sejam embranquecidos? O que faz com que produções intelectuais de mulheres negras não sejam vistas enquanto legítimas? Quantas vezes você já foi silenciado/a? O poder de falar, para algumas pessoas, pode mudar as vidas delas. O simples ato de falar, que para alguns é algo tão banal, já para outros/as significa existir. Nesse sentido, precisamos entender a fala e a escrita enquanto instrumentos de poder. Quando eu falo, eu falo para alguém, para alguém que esteja disposto a me ouvir. Se essa pessoa cala a minha voz, ela me silencia. Há diversas formas de silenciar alguém. Invisibilizar as narrativas de alguém é silenciamento. Negar a escuta é silenciamento. Não incluir autores (as) negros (as) no currículo de uma disciplina que trata de relações étnico-raciais, por exemplo, é silenciamento. Nesse sentido, o silêncio também é ideologia. Escrava Anastácia e a máscara do silenciamento. Hoje, eu “quero falar sobre a máscara do silenciamento”¹, quero falar sobre as tentativas de silenciamento sob as quais somos diariamente submetidos, mas também quero falar sobre como romper com os silêncios. E imaginar o futuro. Viemos há seculos sendo silenciados e invisibilizados, chegou a hora de gritar. Precisamos romper com o silêncio antes que ele nos sufoque, precisamos falar de amor, de como somos humanos, de novas epistemologias, de como seguir em frente, precisamos imaginar um futuro sem a máscara do silenciamento. Um futuro sem racismo, sem sexismo, sem opressão. Grada Kilomba, em seu livro Plantation Memories, fala sobre o silenciamento diário e da importância de estilhaçar a máscara do silêncio.


A boca é um órgão muito especial, ela simboliza a fala e a enunciação. No âmbito do racismo a boca torna-se o órgão da opressão por excelência, ela representa o órgão que os(as) brancos(as) querem — e precisam — controlar e, consequentemente o órgão que, historicamente, tem sido severamente repreendido.²

A nossa fala assusta a quem? Uma coisa é fato, se somos repreendidos ao falar, com certeza nossa voz é potência. É mudança. Algumas pessoas podem não gostar de falar sobre isso, mas é necessário. Como podemos imaginar uma sociedade plural sem falarmos de silenciamento? Esse é o primeiro passo para não compactuarmos mais com as práticas de silenciamento. Durante meu ensino fundamental e parte de meu ensino médio, eu não tive contatos com outras epistemologias sem ser as epistemologias ocidentais. Só conheci outras narrativas e formas de produzir conhecimento quando tive contato com a filosofia Africana, mais especificamente com o filósofo Théophile Obenga. Coisa que o ensino médio não me mostrou. De certa forma, isso me deu forças para romper com esse silêncio institucional que nos coloca em apenas um eixo referenciário. Nesse sentido, há outro nome para silenciamento: epistemicídio. Cursei o ensino médio em uma instituição técnica, estive submetido a um ensino completamente tecnicista. E isso, para mim, configurou uma prática de silenciamento. Eu não podia sequer ser humano, afinal, precisava almejar um futuro e trabalhar, pois somente isso me dignificaria. Onde fica a dignidade de SER humano nesse lugar? Não fica. Então eu comecei a falar e comecei a escrever. Eu vi, na escrita e na minha voz potências revolucionárias que podem romper com esse regime de autorização discursiva. Regime este que me silenciou por muito tempo. “Eu nunca fui tímida, fui silenciada”. A partir desse momento, como diz a Octavia Butler, eu “comecei a escrever sobre poder, porque era algo que eu tinha muito pouco”³. Então eu comecei a falar sobre as coisas que me afligiam, a questionar, a escrever e denunciar práticas de silenciamento. E aos poucos, dessa forma, nós podemos estilhaçar a máscara do silêncio. Tudo isso parece utópico demais, eu sei, mas vamos elucidar. Façamos as perguntas: quem pode e quem não pode falar? Qual justificativa fundamenta as práticas de silenciamento? Por que temos medo de falar? Por que falar é tão importante?


Esses questionamentos são fundamentais para entendermos lugares de fala. Dentro desse projeto de colonização, quem foram os sujeitos autorizados a falar? O medo imposto por aqueles que construíram as máscaras serve para impor limites aos que foram silenciados? Falar, muitas vezes, implica em receber castigos e represálias, justamente por isso, muitas vezes, prefere-se concordar com o discurso hegemônico como modo de sobrevivência? E, se falamos, podemos falar sobre tudo ou somente sobre o que nos é permitido falar?⁴

Djamila Ribeiro, ao fazer esses questionamentos, aponta ainda a importância de não cair no essencialismo de dizer que o/a negro/a só pode abordar questões raciais, ou que a travesti só pode falar sobre gênero e sexualidade. Debater lugar de fala, definitivamente não é isso. O lugar de fala é uma discussão de poder, é criar subsídios para romper com essa norma que define quem pode e quem não pode falar. E, como humanos, o nosso dever aqui é (pelo menos, deveria ser) esse: promover igualdade. Isso pode parecer inalcançável, mas creio que não devemos deixar de acreditar num futuro sem máscaras. Angela Davis diria que devemos sim imaginar um futuro de igualdade. Diria ainda que devemos nos levantar e nos unir e lutar pela igualdade. Não devemos ter vergonha de falar sobre as opressões estruturais, pois quando falamos e denunciamos essas opressões, estamos reivindicando nosso lugar enquanto seres humanos. E, se quando falamos disso, formos vistos como loucos ou ilegítimos, não devemos parar, isso sinaliza que estamos no caminho certo. “A tomada de consciência sobre o que significa desestabilizar a norma hegemônica é vista como inapropriada ou agressiva porque aí se está confrontando poder”⁵. E confrontar poder não é para qualquer um.


Há pessoas que dizem que o importante é a causa, ou uma possível “voz de ninguém” como se não fôssemos corporificados, marcados e deslegitimados pela norma colonizadora. Mas, comumente, só fala na voz de ninguém quem sempre teve voz e nunca precisou reivindicar sua humanidade.⁶

Nesse sentido, [lutar contra] o silenciamento também deve ser pauta das nossas lutas. E, ao se conscientizar desse processo, faça-se a pergunta: como eu posso lutar contra o silenciamento? Essa pergunta por si só já inicia o processo de mudança.



Prestigiem Viníciux no dia 27 de novembro, às 18 horas, na sala Celso Lemos (IFCS/UFRJ)

Mesa sobre filosofia Africana, com: Carlos Ona Veloso (UFRJ), Katiúscia Ribeiro (Geru Maã/UFRJ), Tainá Mendonça (LLPEFIL/UERJ) e Vinícius da Silva (LLPEFIL/UERJ).

¹ KILOMBA, Grada. “The Mask” In: Plantation Memories: Episodes of Everyday Racism. Münster: Unrast Verlag, 2ª Edição, 2010.

² KILOMBA, Grada. “The Mask” In: Plantation Memories: Episodes of Everyday Racism. Münster: Unrast Verlag, 2ª Edição, 2010.

³ BUTLER, Octavia. Kindred: laços de sangue. Tradução de Carolina C. Coelho. São Paulo: Editora Morro Branco, 2017.

⁴ RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? Belo Horizonte, MG: Letramento:Justificando, 2017. (Coleção Feminismos Plurais)

⁵ RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? Belo Horizonte, MG: Letramento:Justificando, 2017. (Coleção Feminismos Plurais)

⁶ RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? Belo Horizonte, MG: Letramento:Justificando, 2017. (Coleção Feminismos Plurais)



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